domingo, 20 de março de 2011

CEMEI... ATÉ EM NATAL...


Obstáculos na Educação Infantil

Os três cenários que abrem esta reportagem estão longe de serem classificados como casos isolados. Independente da greve dos professores da rede municipal de Educação, que persiste há 37 dias, praticamente todos os Centros Municipais de Educação Infantil, enfrentam dificuldades e, não apenas, na questão estrutural, que começou a ser resolvida pela Prefeitura de Natal, na terça-feira, 15/03, mais de um mês após a data prevista para o início do ano letivo – 08 de fevereiro.
Muitos percalços ainda fazem parte da realidade da educação infantil. Os três netos de dona Anailza Cabral Dantas, moradora do bairro do Igapó, que freqüentavam o CMEI Teotônio Canaa, desde os 2 anos e meio de idade, vão ficar fora da escola este ano.
Com o CMEI de portas fechadas, dona Anailza lamenta “estou num beco sem saída, porque não tem vaga pra eles em outra escola e não tenho como pagar particular”. Ela cria os três netos e a família só tem uma renda, que é de um salário-mínimo, para cobrir todas as despesas. “O dinheiro só dá mesmo pra alimentação e manutenção da casa”, conta ela.
Logo no início do ano, quando percebeu que, pelo terceiro ano seguido, o CMEI Teotônio Canaa, não iria funcionar, ela tentou vaga em outras unidades, em bairros próximos, mas não encontrou. João Vitor, 8 anos; Josias, 6, e Josaias, 4, estão entre as 883 crianças que, segundo o Setor de Normas e Organização Escolar (SNOE) da Secretaria Municipal de Educação,  estão fora da sala de aula, por falta de vagas.
Dona Anailza conta que até hoje nenhum coordenador da Secretaria foi à comunidade explicar o porquê do fechamento da unidade. “Eles sequer devolveram a documentação das crianças”. Ela reclama da situação. “Essa falta de escola prejudica o aprendizado deles. As crianças ficam sem ter o que fazer e terminam aprendendo tudo de ruim que tem na rua”.
Do lado de fora, Josaias, 4 anos, e Josias, 6 anos, se contentam em olhar o mato que cobre a área de entrada do CMEI Teotônio Canaa, em Igapó. Nos últimos dois anos, o centro não funcionou e até a quarta-feira, 16, não havia nem sinal de que as aulas um dia serão retomadas por ali.
O mofo na parede tem forte odor. É quase impossível ficar no salão que dá acesso ao Bercário I por mais de 10 minutos. É sufocador. Iniciar as aulas num ambiente assim, nem pensar.  Essa era a única certeza dos educadores do CMEI Maria Abigail, em Lagoa Azul, na quinta-feira, 16.
A brincadeira na areia ocupa o lugar da escola. Marcela,  5 anos, se distrai alheia aos problemas do CMEI onde estuda, o Stela Lopes, em Nova Natal. Por lá, as salas estão desertas. Mesmo que os professores retomem as aulas amanhã, o Centro provavelmente não funcionará. Faltam professores e verbas para manter a unidade.
CMEIs enfrentam dificuldades
Recentemente, o Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sinte/RN), fez um levantamento em 26, das 62 unidades da rede CMEI. Em todas as 26 unidades visitadas pelo Sinte, os educadores infantis desfiaram um rosário de reclamações e apontaram as chagas da educação infantil. E não são poucas.
emanuel amaralNo berçário do CMEI de Nova Natal, os educadores denunciam um problema recorrente há pelo menos 13 anos: o cheiro de mofoNo berçário do CMEI de Nova Natal, os educadores denunciam um problema recorrente há pelo menos 13 anos: o cheiro de mofo
Além de goteiras, infiltrações nas paredes, sumidouro estourado, banheiros interditados, vazamentos em caixa d’água e até paredes que dão choque, a rede CMEI sofre com o déficit de professores; atraso nos repasses financeiros legais e ausência de unidades executoras -  exigência legal para recebimento de recursos, inclusive federais. Segundo a coordenadora do Sinte-RN, Fátima Cardoso,  perto de 50 CMEIs estão sem Unidades Executoras e impossibilitados de receber verbas.
Fátima acrescenta que para a rede como um todo – incluindo  o ensino fundamental - funcionar plenamente, a Secretaria Municipal de Educação precisa contratar cerca de mil profissionais, entre professores,  auxiliares de sala (para a educação infantil) e de serviços gerais. Enquanto as soluções não chegam, professores e pais se angustiam.
Atraso
A pequena Xisana do Nascimento Wanderley, 6 anos, só não engrossa essa estatística das crianças que estão sem aulas por causa dos problemas nos CMEI’s porque a mãe, dona Alda Gomes do Nascimento, conseguiu matriculá-la em uma escola particular. Alda é a proprietária do prédio do CMEI Teotônio Canaa, alugado ao município, e denúncia: “há dois anos está alugado à Secretaria de Educação. De lá pra cá nunca o aluguel foi pago em dia”. Agora, o pagamento, no valor de R$ 700,00, está em atraso desde o mês de novembro de 2010. “Eles não me dão uma explicação, se vão desativar a escola e entregar o prédio ou se vão continuar. Não se sabe de nada”, relatou. Segundo Alda, até novembro o quadro de pessoal do CMEI ainda estava completo – com 10 funcionários, incluindo os professores. O que ela sabe é que eles foram redistribuídos para outras unidades. Além disso, na terça-feira, 15, a Cosern desligou toda a rede de energia elétrica.
No último ano de funcionamento, que segundo dona Alda, foi em 2008, quando CMEI atendia a 104 crianças. Já no mapa atualizado da SME, enviado para a redação, por solicitação da reportagem, a SME não houve registro do fechamento da creche, constando um número de crianças atendidas ainda maior: 354. Mas onde elas estão? Dona Alda não sabe responder.
Educadores denunciam abandono
O mofo que mancha a parede bem em frente do Berçário I, no CMEI Maria Abigail, em Nova Natal, é um problema crônico. Reunidos, na quinta-feira, para planejamento pedagógico, os educadores denunciaram que a situação de abandono da unidade. Para se ter idéia esse problema do mofo é antigo. Perdura há 13 anos. Nem a reforma realizada em 2009, e que durou seis meses, pôs fim ao problema. Dois meses depois, o mofo voltou e está lá até agora.
“Foi uma maquiagem que fizeram. Como não resolvem o problema na sua origem, o mofo volta pouco tempo depois e se alastra”, relatou uma das mais antigas educadoras, que preferiu não ser identificada. Fora isso, os problemas se multiplicam. Observando os problemas do CMEI, nossa reportagem comprovou cada uma das denúncias que constam no relatório do Sinte-RN em relação a essa unidade.
O CMEI Maria Abigail, que tem 125 crianças matriculadas, tem, além de infiltrações nas paredes e do mofo, banheiros com encanação entupida, descargas quebradas, piso escorregadio, luminárias queimadas; goteiras nas salas; e parque inadequado para receber crianças na faixa de até 5 anos. Ainda nos banheiros, ao invés de cubas apropriadas para o banho das crianças, tem pias, montadas a uma altura inadequada – de quase 1 metro do piso e no refeitório não há espaço de apoio para colocar pratos e copos e servir as refeições.
Falta desde material lúdico, tanto para o berçário, como para os demais níveis da educação infantil, à material de expediente e itens de higiene e limpeza. “O que temos é isso que está aqui, que foi sobra do ano passado”, diz uma das educadoras, apontando para os produtos postos na mesa. Parte dos materiais de limpeza e expediente só está chegando agora, quase 45 dias após a data prevista para o início do ano letivo – 8 de fevereiro.
Ela mostrou um único shampoo infantil para uso de duas turmas, cada uma de 16 crianças. Ainda falta merenda e água. Não há copos descartáveis (existe apenas para café); e no salão de refeição a bancada de apoio para servir a alimentação caiu e não recolocada. No berçário II, devido a infiltrações e goteiras, o piso está soltando.  Não bastassem esses problemas, o CMEI tem déficit de cinco professores e seis auxiliares de sala. E sem o quadro completo, o CMEI só funcionará em um turno.
2 mil crianças estão fora da sala de aula
No Jardim Progresso, localizado no bairro Lagoa Azul, zona norte de Natal, não há CMEI. Fontes da SME revelou que quase 2 mil crianças nessa área estão fora da escola. “Aqui, as crianças dependem, unicamente do Stela Lopes, que fica no conjunto Nova Natal. Não tem outra opção, e a gente precisa passar a noite na fila para tentar pegar uma vaga”, diz Maria de Lourdes Peixoto, enquanto a filha  Marcela, de 5 anos, se distrai brincando na areia.
Marcela está matriculada nesse CMEI, mas não há previsão de abertura do ano letivo, segundo a diretora Simone Maria de Lima. Uma dos três filhos de Luzia Maria Gomes, que têm 03 anos, está  fora da educação infantil. “Ia matricular no Stela Lopes, mas eles não recebem criança da idade dela”, diz Luzia. O CMEI Stela Lopes é um mais antigos – tem 20 anos – e só recebe crianças para os níveis III e IV da educação infantil. Tem mais de 300 crianças matriculadas.
A unidade está impedida de receber verbas porque, até agora, a direção não conseguiu fazer a renovação dos titulares da Unidade Executora, junto ao 2o. Cartório. Isso por causa de um débito da Prefeitura Municipal junto a esse cartório, no valor de R$ 22 mil. São quatro repasses: ROM (Recursos do Orçamento Municipal); o PDE (municipal), o PDDE (federal) e o PNAP (merenda escolar).
O ROM 2010, no valor de R$ 19 mil, foi depositado, somente este ano, na Caixa Escolar, mas não há como movimentar os recursos,  devido à pendência junto ao cartório. “Nós temos que renovar a titularidade  do caixa Escolar, mas não estamos conseguindo por causa desse débito da Prefeitura”, explicou a coordenadora da creche. O ROM, normalmente, é repassado em junho de cada ano. O de 2010 foi repassado com mais de oito meses de atraso.
Já o PDE 2010, no valor de 16 mil, ainda está em atraso. Os repasses federais ainda não entraram. Sem dinheiro, a escola não tem como comprar merenda escola, materiais de limpeza e higiene. “Se a greve terminar é impossível abrir, na segunda-feira”, 
Outra situação insustentável é o déficit de professores.  Esse CMEI precisa de mais cinco professores e um arte-educador.  Os problemas estruturais, vazamento na caixa d’água, e corrosões na estrutura da quadra de esportes, começaram a ser resolvidos na quarta-feira. Uma equipe da “força tarefa” montada pela SME, na terça-feira, estava realizando as obras e a previsão era concluir na sexta-feira.
Por se tratar de um CMEI, instalado em prédio muito antigo ainda carece de muitas adaptações. Por exemplo, não há banheiro nas salas de aula. Para a vice-diretora do CMEI, Fátima Dutra, o ideal que a o prédio passe por uma ampla reforma, para que todas as adaptações necessárias à educação infantil sejam feitas.
Ela considera um absurdo o descaso do executivo municipal quanto ao repasse das verbas, que em gestões anteriores eram recebidas dentro do ano em curso. “Assim como existiu um juiz que determinou o retorno imediato dos professores às salas de aulas, deveria ter um juiz que obrigasse a Prefeitura a cumprir suas obrigações”.
Ministério Público Estadual cobra soluções urgentes
A promotora de Justiça da Educação, Zenilde Ferreira Alves disse estar ciente de que o Município não poderá suprir toda a demanda de uma hora pra outra.  O problema, segundo a promotora, é que houve liberação de muitos recursos para construção de novos Centros, mas, por outro lado não houve ampliação no quadro de educadores. Até hoje, quase 20 anos depois de inaugurado os primeiros centros municipais de educação infantil, a secretaria ainda não criou o cargo de Auxiliar de Sala. “A verdade é que o município não se programou, não houve um planejamento para comportar a expansão”.
Na semana passada, de posse de levantamentos sobre a situação da Educação Infantil, a promotora se reuniu com o recém-empossado secretário de Educação, Walter Fonseca e cobrou soluções urgentes.  Além dos problemas estruturais das escolas e da falta de vagas, Zenilde Alves negociou solução para a falta de professores, para o atraso nos repasses legais e para a ausência de unidades executoras nos Centros mais novos e dificuldade de renovação da titularidade naqueles onde já existe a UEX.
No caso do déficit de vagas, o maior gargalho está nas zonas Oeste e Norte, onde muitas crianças não foram matriculadas, por falta de vagas. A Promotoria da Educação recebeu uma espécie de “dossiê” encaminhado pelo Conselho Tutelar da Zona Oeste, que aponta em torno de 300 matrículas recusadas, por falta de vagas na educação infantil.
Segundo os conselheiros tutelares da Zona Oeste, os bairros mais críticos, com maior demanda reprimida, são os do Planalto, Felipe Camarão e Cidade Nova. Os números da demanda reprimida na Zona Oeste foram liberadas pelo Conselho Tutelar. No caso do déficit de professores – a SME precisa de mais 151 - a promotora, em conjunto com o promotor do patrimônio Público, Eldo Rodrigues Leite, elaborou uma termo de ajustamento, que já está em análise pela assessoria jurídica da SME. Existe uma necessidade de aumentar o quadro em decorrência da redução da carga horária do educador infantil, que passou para 30 horas.
SME monta força tarefa em Centros
Há uma semana com nova gestão, a Secretaria Municipal de Educação montou uma “força tarefa” para solucionar os problemas estruturais dos CMEIS. Por semana, segundo o chefe de gabinete da SME, Marcos Cleber Alves de Moura, seis ordens de serviço serão expedidas para que a empresa Arco possa realizar os reparos nas unidades vistoriadas. “Por semana, vamos estar trabalhando em seis unidades, ao mesmo tempo”, garantiu.
Até a sexta-feira, a Arco já estava realizando serviços em 18 CMEIs e iniciava obras em outras cinco unidades, entre as quais o CMEI Maria Abigail. Ele entrou em contato com o chefe da Engenharia da SME, Raimundo Moisés Leite, para pedir prioridade no serviço. A licitação da Arco foi homologada em dezembro/2010. O valor do contrato é de R$ 400.494,51. Entre os CMEIs em obras, estão dois inaugurados em 2010, o Santa Mônica e o Santa Cecília.
Marcos Cleber e a coordenadora pedagógica, Kátia Lanzillo se mostraram surpresos com fato do  CMEI Teotônio Canaa está fechado há dois anos. “Vamos investigar a origem do problema e, se não houver nenhum impedimento legal, se for apenas problema de infra-estrutura, esse CMEI volta a funcionar”, garantiu.

Segundo Marcos Cleber o termo proposto pelo MP, em conjunto com a SME, será assinado, logo depois da análise pelo setor jurídico. Segundo ele, a situação mais complexa é a contratação de Auxiliares de Sala, por este cargo não existir no quadro de pessoal da SME. “Vamos fazer um estudo opara a criação dessa função. Por enquanto, o que está proposto no termo é a contratação de professores temporários”, disse.
Pelo termo, que tem validade de seis meses, a SME vai contratar professores em número suficiente para disponibilizar, dois por sala de aula, de acordo com o nível de atuação de cada etapa da educação infantil. Ele disse que – como o prazo para a universalização da educação é 2016 - “todos os ajustes que foram feitos agora são um grande passo para uma educação ideal no futuro”.
O compromisso da SME é, abrir, paralelo a execução do termo, a licitação para o estudo para a criação do cargo de educador auxiliar. Do concurso público de 2008, a prefeitura convocou 384 aprovados- dos quais 64 educadores infantis, no início do ano, mas menos de 60% se apresentaram.